domingo, 15 de abril de 2012

se foi de ti que isso partiu
como conceber
que exista espaço pro amor
que o amor possa se entregar
que não há medo sem solução

se foi de ti que isso partiu
o que fazer da crença
de que, ainda que cega,
estaria segura
embalada em firmes cordões
que acalmariam meus temores

se foi de ti que isso partiu
morreu um pouco a esperança
de uma humanidade mais bonita
de uma tranquilidade mais sincera
de um amor mais afagado


fica em mim a dor triste
de lembrar que, enfim,
somos todos poetas
o que me contou você
como agora acreditar
se a fantasia de calmaria
se espantou na multidão
e novos olhares se revelaram
sob a mesma e calma face



como agora acreditar
que o coração pode adormecer
tranquilamente ser acordado
e saber onde está


como agora acreditar
que tudo aquilo que ficou
em nuvens cinzas do passado
esquecidas na branquidão dos dias
realmente se distancia de mim


como agora acreditar
que em tudo que o peito disse não
não havia uma verdade
se a construção
não se tornou um sopro
do desejo
e tudo que se deixou pra trás
agora vacila diante de nós


o que dizer deste retorno
à maior das naturalidades
ao velho e conhecido momento
em que a ilusão se dissipa
e a tristeza se instala

de mim você teve tudo

a angústia, a dúvida, a casa, o ventre

entregues dia após dia
num turbilhão que se tentava entender
dia após dia

tentando ser o que se deve
ver o que se deve
sentir o que se deve
entregando-se ao que se deve

dia após dia

quando a confiança
já confusa dos dias
se entregou em não perguntas
surge o estouro
de arrebentar veias

a tentativa parece ridícula
a visão está frouxa
o sentimento estilhaçado

dia após dia

dia após dia
reconstroem-se
penas
olhares
desejos
angústias

angústia que volta
angústia que vai
num canto de ninar
a quem não sabe o que dizer
de seu mundo que não é mais seu
de sua boca que não é mais sua
da saliva que tanto enlouqueceu
e do dedo que não mais reconhece a superfície

do desejo de vida
sobra pulsão
escondida, bem querida
bem no fundo do coração
e a gente, sem saber,
se a deixa vir ou não