o barulho do fogo abre as minhas janelas
por dentro, já não consigo evitar
corredores - minhas veias
onde animais pulam, correm e gritam
as plantas caem no caminho
e resta o fervor do sangue
atravesso a incômoda realidade
de novo nós, os mesmos, sempre
a roer as pontes, a desver o laço
prometendo a si nunca mais reconhecer
o todo, antes do um
de novo nós, os mesmos, sempre
a desfazer a poesia viva
na terra-recurso-prometida
medida em acres, hectares, fitas
mas nunca em vida
de novo nós, os mesmos, sempre
cegos contumazes, tão acostumados com a luz de nosso esplendor
absolutos, evidentes, científicos
desorgânicos
entre dentes, sustentáculo da morte
vaidosamente exibida
no espetáculo de heróis
de novo nós, os mesmos, sempre
a fazer da vida a desculpa
para o espelho narcísico do amor
que de tanto olhar só para si
apodrece caule-folha-fruto
semi-deuses enlouquecidos
apressados a dizer: sentir não é ciência
ciência não é cheiro
a autorização sou eu
terça-feira, 7 de outubro de 2025
os mesmos
a vida queima na serra de são josé
durante todo dia o fogo
e durante a noite também
labaredas dançantes ao uivo dos ventos
a vida queima na serra de são josé
pequenez invisível aos olhos humanos
pardais, joaninhas, lagartos e fadinhas
são agora lembranças de muitas torras
a vida queima na serra de são josé
refletida em minhas retinas
a dor de tantas perdas
invisíveis ao homem comum
o ipê, a florescência que beira o riacho
os sapos, os coelhos e as pequenas raposas
todas abaixo do todo poderoso da cadeia alimentar
a vida queima na serra de são josé
mas só vale o perigo quando a casa é humana
casa de bicho não importa
de planta menos ainda
esses podem virar fogo e vento e cinzas
a vida importa na serra de são josé
essa mesma, pequenina, rasteira, rastejante
a aranha, o morcego, as formigas e o tamanduá
as libélulas, as borboletas, e cada bico e pena a voar
a vida queima - e importa
e ouvir seu som estala em mim a humanidade
a toda poderosa, senhora dos destinos
que define quem fica e quem vai
quem vive, quem pode, quem morre
quem não faz a menor diferença
a vida queima na serra de são josé
as lágrimas são mais que humanas
serão visíveis?
a vida importa na serra de são josé
essa que se desfaz e venta a poeira do que foi
