sábado, 15 de novembro de 2025
eu não sou o meu passado
terça-feira, 7 de outubro de 2025
os mesmos
o barulho do fogo abre as minhas janelas
por dentro, já não consigo evitar
corredores - minhas veias
onde animais pulam, correm e gritam
as plantas caem no caminho
e resta o fervor do sangue
atravesso a incômoda realidade
de novo nós, os mesmos, sempre
a roer as pontes, a desver o laço
prometendo a si nunca mais reconhecer
o todo, antes do um
de novo nós, os mesmos, sempre
a desfazer a poesia viva
na terra-recurso-prometida
medida em acres, hectares, fitas
mas nunca em vida
de novo nós, os mesmos, sempre
cegos contumazes, tão acostumados com a luz de nosso esplendor
absolutos, evidentes, científicos
desorgânicos
entre dentes, sustentáculo da morte
vaidosamente exibida
no espetáculo de heróis
de novo nós, os mesmos, sempre
a fazer da vida a desculpa
para o espelho narcísico do amor
que de tanto olhar só para si
apodrece caule-folha-fruto
semi-deuses enlouquecidos
apressados a dizer: sentir não é ciência
ciência não é cheiro
a autorização sou eu
a vida queima na serra de são josé
durante todo dia o fogo
e durante a noite também
labaredas dançantes ao uivo dos ventos
a vida queima na serra de são josé
pequenez invisível aos olhos humanos
pardais, joaninhas, lagartos e fadinhas
são agora lembranças de muitas torras
a vida queima na serra de são josé
refletida em minhas retinas
a dor de tantas perdas
invisíveis ao homem comum
o ipê, a florescência que beira o riacho
os sapos, os coelhos e as pequenas raposas
todas abaixo do todo poderoso da cadeia alimentar
a vida queima na serra de são josé
mas só vale o perigo quando a casa é humana
casa de bicho não importa
de planta menos ainda
esses podem virar fogo e vento e cinzas
a vida importa na serra de são josé
essa mesma, pequenina, rasteira, rastejante
a aranha, o morcego, as formigas e o tamanduá
as libélulas, as borboletas, e cada bico e pena a voar
a vida queima - e importa
e ouvir seu som estala em mim a humanidade
a toda poderosa, senhora dos destinos
que define quem fica e quem vai
quem vive, quem pode, quem morre
quem não faz a menor diferença
a vida queima na serra de são josé
as lágrimas são mais que humanas
serão visíveis?
a vida importa na serra de são josé
essa que se desfaz e venta a poeira do que foi
segunda-feira, 29 de setembro de 2025
O velho tomou seu café de manhã
Comeu um pedaço de pão, olhando a luz que vinha da janela
Sentou em frente ao fogão à lenha, enquanto observava o cães a regozijar uma caça
O que será que trouxeram agora?
O velho sentou no alpendre
Lembrou da antiga canção que lhe falava da força, do amor, do chão
Olhou para o chão. Sabia que era, em breve, seu destino.
Se demorou no olhar. Como será que estava Maria, abaixo daquela terra toda?
Deu de ombros. Fingiu não ligar. Voltou aos cachorros, que traziam consigo um gambá esfacelado.
Caras vermelhas de sangue, arfando a felicidade do abate.
Chega, sai daqui. Leva esse gambá junto ou vou enterrar ele também.
Não queria mais enterrar
A verdade é que a vontade-cachorro reinava no desejo de criar crateras do chão que trouxessem de volta seu amor
Ou quem sabe lhe pudessem confundir as vistas e ele, sem querer, se jogar no desfiladeiro ao lado de onde ficará pela eternidade o corpo de Maria.
Muitas vezes ele pensou, qual solução haveria
Mas hoje, ali, ao sol da manhã, o velho apenas olhava a vida dançar seu gesto sanguíneo
Pôr do sol
Um pôr do sol se faz à minha frente
Enquanto deito sobre ele meu olhar, derreto as vontades
Olho a paisagem ao meu redor, celebrando a vida
Se vem mais laranja, mais rosado ou bem azulado, pouco importa
A cada tarde, a beleza do que é imprime nos olhos a força do viver
Derramado em cores
Gosto de ver em pessoas pôr do sol
Observar, admirada, suas tonalidades
Reconhecer a luz que as delineia
Achar graça nas mudanças da estação, do humor, do tom
Me embebedo no amor pela vida
Essa, que me quer
Essa, que eu quero
A vida me abre
Aberta, me aqueço ao sol.
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
o encontro
quinta-feira, 18 de setembro de 2025
sábado, 13 de setembro de 2025
A mãe que domina
A mãe que arrasa
A mãe que sargenteia
todas elas devidamente encarceiradas.
Agora a única maternidade é a doce
A que fala com voz de anjo
A que antes de explodir pelas emoções que tem lidou com cada uma delas e não descontou nada
no filho
no (ex) marido
na pulga da cachorra
no céu ou nas montanhas
A mãe de hoje é serena
Tradwives a fazer pão às 05h da manhã para que seu amo, digo, seu macho, digo, seu homem, digo, seu tutor, digo..
possa acordar com o cheiro quente que é seu desejo
Infinitos tutoriais
Como reconhecer os traumas da criança
Onde você está errando - e você está, pra sempre, errando... digo, errada... digo, não errante. digo..
todos ensinando a submeter
submeter a raiva, a opressão, o status quo, o que traria a sagrada necessidade de explodir a estrutura
para que haja paz
(que bonitinha)
(menininha da mamãe)
se a raiva não educa
então o mundo não muda
se ela não puder sentar à mesa e comer, junto a meus filhos
então que se virem as mesas, as cadeiras, os pratos e os copos e a comida voe pelos ares
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
terça-feira, 9 de setembro de 2025
meu corpo conversa com o seu
como estrela, como poeira, como pó
sopra o vento do que outrora foi
t e m p o
desanda
desorganiza
destiquetaqueia
na espera entre dois
nasce um mundo
nasce o gozo
nasce a flor
e toda cor que num passado foi
pó
e do pó se fez
pedra sobre pedra
o altar onde edifiquei meus sonhos
sonhei meus cantos
vivi o corpo como quem batiza
saudando a vida
que seja, antes de tudo, viva
A travessia
há olhos que têm em si
a flecha que atravessa
adentram meus olhos, surpresos
descendo pela cachoeira da alma
se banham no oceano de mim
e quando os busco, toalhas em mãos,
pedindo que por favor se vão,
se riem, nadando-me
ferozes batedores de braços e pernas e mãos e peitos e bocas e nus
- porque no oceano de mim só se entra nua -
dilaceram meu pudor
sentei-me então à beira da praia
contemplando a poesia
num mergulho e solto as vestes
- que me prendem -
e sorrio, nua, nosso encontro
domingo, 7 de setembro de 2025
As fomes me atravessam
A fome de amor
A fome da dor que esteve aqui
A fome do porvir
que já parece estar
Vivi a vida como uma negociante
No comércio de dores e fomes
Escambeei a vida
Deixei a alma aburguesar
No delírio infantil do controle
Como quem guarda em seu estoque
Os potes, os vidros, de(vida)mente organizados, etiquetados, uniformizados
contendo, ordenadamente, minhas formas
Bombardeio minha própria ordem e, admirada, vejo enquanto os cacos e vidros e tampas se desabam rompendo os limites do que outrora fora eu.
Na fumaça da explosão, um corpo faminto
Um monstro, com cabeça de onça, pata de elefante e garras de jacaré a atacar memórias, abusos, amores e tudo que em mim ainda pulsa
sem saber direito o amor e a morte se tornam amantes
rodopiantes na noite escura
até que a última garra se d e s f a ç a
com o último suspiro do que um dia fomos
Somente a poeira testemunha
O abafar e a minha história
os cacos cortam
cuidado onde pisa
o que acha que encontra pode ser
a próxima explosão
o corpo
Amontoado de órgãos e pêlos,
pele e sangue,
vias rápidas e lentas que me levam até você
Um passo adiante e todos os órgãos travam
como o jumento que se nega a ir adiante
E na força da brusca parada se batem uns nos outros
e estatelam dentro de mim, esparramados
Tentam voltar ao lugar e à ordem mas eles também já não a entendem
e o pulmão escorre pelas pernas
o coração insiste em tomar o lugar da cabeça
o estômago brigando que o novo peito tem ele sim
De repente os olhos te vêem passar
e todos os órgãos, se batendo por dentro, tentam encontrar a forma de darmos qualquer passo
caímos, no desengoçar do próprio infinito
As vísceras saudando o amor
sem perceber que será ele a penetrar tudo com a ordem de despejo da lógica em mãos

